quinta-feira, 6 de março de 2014

Sapateie!

   
   A história que vou lhes contar agora aconteceu na segunda metade do século dezenove e envolve um corretor imobiliário, sua esposa e uma crença.
       O senhor Edgar era um respeitável corretor de imóveis de uma pequena cidade do interior da Inglaterra. Tendo viajado por todo o mundo a negócios, se encontrava agora aposentado, vivendo feliz com a mulher.
       Ultimamente um fato curioso vinha ocorrendo, o que estava deixando a mulher de Edgar, Judith, um pouco curiosa e receosa. Todos os dias, após o jantar, Edgar se levantava e sapateava. Isso mesmo, sapateava. Fazia alguns passos e saía da sala. No início Judith achou que o marido estava apenas fazendo graça, mas quando percebeu que aquilo ocorria todos os dias, começou a ficar preocupada.
       - Querido, por que você faz isso todos os dias? - questionava a mulher.
       - É porque tenho que fazer – respondia apenas, Edgar.
       O mais constrangedor era que o corretor não fazia aquele ritual somente em casa, mas também em ocasiões sociais, como no jantar de noivado da irmã de Judith. Estavam todos à mesa quando Edgar se levantou e realizou o seu sapateio. Alguns riram, mas ficara claro que a maioria achou aquilo bastante estranho. E isso se repetia nas mais diversas ocasiões, deixando a esposa de Edgar cada vez mais preocupada.
       Judith decidira então pedir conselhos a sua mãe, Marta, sobre o que fazer. Essa que também já havia notado o comportamento estranho do genro.
       - Minha filha, você tem que falar com o seu marido sobre essa situação. Saber se ele está normal. - indagava a sogra do corretor.
       - Já falei com ele. Perguntei o por quê dele fazer isso e ele só responde que é porque tem que fazer. Diz que não pode explicar.
       - Seja mais forte e exija uma explicação.
       Foi o que Judith fez, exigiu uma explicação e o que obteve foi a história mais inusitada que já ouvira:
       Isso aconteceu numa viagem que fiz para a Irlanda, ano passado. - começava Edgar. - Em uma das casas que eu estava vendendo, havia ocorrido, há pouco, um caso sem explicação. Seu dono desaparecera misteriosamente. Os vizinhos falaram que no dia anterior ao ocorrido ele estava bastante nervoso e gritava constantemente no jardim: “você não vai mais me dominar, não irei fazer mais suas vontades ”. No outro dia, ele simplesmente desapareceu.
       Quando fui ao local, me deparei com uma casa bastante simpática e aconchegante. Andei por cada cômodo, porém o que mais me interessou foi o seu jardim. Era muito bonito e bem cuidado. Ao observar esse jardim, me deparei com algo que me despertou a curiosidade. Próximo a uma pedra havia uma folha de tamanho maior que as que haviam ali e de tonalidade diferente também, vermelho escuro. Mas o que mais me chamou a atenção é que havia algo escrito nela: “Sapateie!” . Quando li aquilo, escuto uma voz vindo detrás de mim: “vamos, o que está esperando?”. Naquele momento achei que meus olhos estavam pregando uma peça. Se encontrava, perto de uma das flores, um ser pequenino, vestido de verde, que me olhava com os seus olhos brilhantes. “Vamos, vamos logo, faça!” , gritava a criaturinha impaciente. Quando me recompus do susto, pude questionar o que era aquilo. “Me chamo Alphonsus e sou um Leprechaun, ou duende como vocês humanos idiotas, costumam chamar. Por ter lido a minha mensagem você agora será meu escravo e terá como sina ter que sapatear cada vez que terminar uma refeição.”, gesticulava grosseiramente o pequeno ser. Falei que não faria nada disso, foi aí que ele veio com a ameaça: “se não fizer o que mando, acabará como o dono desta casa. Me desobedeceu e rapidamente sumiu.” Ele me mostrou a maneira que deveria sapatear e desde então venho fazendo o que me mandara.
       Após ouvir toda a narrativa do marido, Judith tinha agora a certeza que ele estava louco. Primeiramente procurou não o contrariar e concordou com tudo o que dissera, dizendo que o apoiaria, mas sabia que tinha que fazer algo a respeito.
       Conversou com sua mãe e juntas elaboraram um plano para tentar curar o marido.
       Em um jantar reuniram toda a família e ao final, quando o marido de Judith iria fazer os passos, dois cunhados dele o agarraram.
       - Mas o que estão fazendo?! - exasperava-se Edgar.
       - É para o seu bem querido. Você verá que nada de mal irá acontecer se você não sapatear hoje. - falava carinhosamente a mulher.
       - Vocês não entendem, ele vai sumir comigo, vai sumir comigo... - repetia, amedrontado o homem.
       Não permitindo que o corretor realizasse sua sina, o amarraram e o levaram para o quarto. O homem resistia fortemente e aos gritos protestava aquela atitude.Quando finalmente conseguiram o colocar no quarto, voltaram todos para a sala. Nesse momento ouviu-se um grande barulho, como o de uma explosão.        Todos correram, preocupados. Ao chegarem no quarto perceberam que Edgar não se encontrava mais lá. Em cima da cama, que outrora se encontrava o corretor, percebeu Judith, havia uma folha de tonalidade escura com algo escrito. Judith a pegou e leu o que estava escrito.
       - O que diz aí? - perguntou a mãe de Judith.

        - Sapateie! - respondeu a mulher.