sábado, 24 de abril de 2010

Nunca Saberemos (ficção)


Creio que todos já sentiram a sensação do “nunca saberemos”. É uma sensação que invade todo o corpo numa perturbação quase claustrofóbica, pelo fato de sabermos que algo será desconhecido para todo o sempre.
                Começa na infância, quando perdemos algum brinquedo e não o encontramos. Até hoje não sei onde perdi um bonequinho de plástico e um carrinho de flexão. Existem inúmeras possibilidades: eles podem ter sidos incinerados ou abduzidos por uma força externa (algum garoto que, na época, brincava comigo), porém eu “nunca saberei”. E  quando crescemos isso piora.
                Quantas vezes você não se viu numa situação como essa? E isso nos incomoda, porque o ser humano gosta de saber.
               Rasgar uma carta fechada ou deletar um e-mail não lido ativa essa sensação aos extremos, fazendo as pessoas chegarem ao ponto de preferirem resolver problemas de trigonometria à sentirem essa sensação.
              Mas já está sendo criado os primeiros grupos de apoio aos casos mais críticos; os que possuem a SNS (Síndrome do Nunca Saberemos). Entretanto, as experiências iniciais não foram das melhores.

            -Oi, meu nome é Karla.
            -Oi, Karla. -todos em coro.
            -Hoje, eu estava conversando com meu namorado quando me distrai e não escutei algo que ele tinha dito. Pedi pra repetir, ele disse que não lembrava. Quando percebi que nunca saberia o que ele tinha dito, apertei o pescoço dele assim. Lembra desgraçado, lembra do que dissestes...

             -Calma Karla, solta o pescoço do Seu Armando, ele não tem culpa, solta Karla...

            Mas hoje a situação já está melhorando.

            -Oi, meu nome é Karla.

            -Oi, Karla. -todos em coro.

            -Hoje faz três meses e quatro dias que não tenho crises.

            -Parabéns, Karla.

            -Espera... Quatro dias ou três dias?...Não lembro! E não anotei em lugar algum...

             -Calma Karla... Solta o pescoço da Dona Adelaide, ela só serve o cafezinho no nosso grupo de apoio... Não, ela não sabe se foram três ou quatro dias, solta Karla...
É, não melhorou muito.
              Acho que já se perguntaram por que é chamada de sensação do “nunca saberemos” se é uma sensação individual. É porque  muitas vezes os casos são semelhantes e existe também a sensação coletiva.
               Um caso célebre dessa sensação, coletiva, é o livro de Machado de Assis, Dom Casmurro. Capitu traiu ou não Bentinho? Muitas são as especulações. Houve quem recorresse ao espiritismo para entrar em contato com o autor, mas não conseguiu. Tentaram exumar o corpo de Machado à procura de alguma pista, mas a Academia Brasileira de Letras não permitiu... Eles já haviam feito isso, mas não deu em nada. E a sensação continua.
               Vou terminado a crônica por aqui, pois tenho que ir pro grupo de apoio. Tomara que Karla esteja mais calma.

Um comentário:

  1. rsrs Muito bom!
    Já aconteceu isso comigo também. É uma sensação terrível. Fico querendo saber e nada. Não encontro a resposta.
    Abraço!

    http://emsimplespalavras.blogspot.com/

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